domingo, 27 de março de 2011

Não me abandone jamais questiona a nossa própria natureza e o resultado da ganância do homem.

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Cena de "Não Me Abandone Jamais".

O tempo pode ser o futuro ou até o passado. O lugar pode ser a Inglaterra que conhecemos, ou um outro país. Os personagens podem ser humanos – como nós. Mas tudo soa muito estranho no melancólico drama Não me abandone jamais, de Mark Romanek (Retratos de uma obsessão), baseado no brilhante romance do inglês Kazuo Ishiguro, também autor do livro que serviu de base para Os vestígios do dia.
Aqui, tanto o filme, quanto a obra original, na verdade, têm mais a ver com Charles Dickens do que com George Orwell – apesar do clima de futuro distópico. Isso porque o longa de Romanek não é uma fabula de tons políticos – como 198”. Nele, a distopia é um subterfúgio para um drama intimista, para uma história humanista. Os três jovens do filme, abandonados em num colégio interno, lembram os órfãos de destino infeliz e muita provação dos romances de Dickens. Eles são Kathy (Carey Mulligan, de Educação), Tommy (Andrew Garfield, de Rede social”) e Ruth (Keira Knightley, de Amor extremo), que moram e estudam em Hailsham uma escola relativamente progressista – mas bastante rígida.
Seriam adolescentes normais, não fosse um fato que é o centro de suas vida: o sacrifício é o seu destino, numa sociedade que lembra qualquer ditadura e, ao mesmo tempo, ecoa muito o nosso tempo. Esses jovens deveriam aceitar o seu futuro com a cabeça baixa, curvando-se àquilo que lhes está reservado.
Kathy, Tommy e Ruth envolvem-se num triângulo amoroso destinado a ser trágico, dadas as perspectivas limitadas de futuro para todos eles. A narrativa constrói-se de forma lenta e cumulativa. Quando a revelação essencial da história vem à tona é como se “Não me abandone jamais” fosse uma ficção científica – mas não é. Os elementos desse gênero são usados para investigar os dramas humanos desses personagens, especialmente o amor e o destino.
Ruth toma uma decisão egoísta. Acredita, por causa de rumores, que um possível envolvimento com Tommy poderá poupar os dois daquilo a que se destinam. Suas ações, no entanto, irão refletir-se no futuro, quando poderá ser tarde demais para ela reparar seus danos.
Como Os vestígios do dia, este é um filme em que o que não se diz conta mais do que aquilo que é dito. É uma história que se constrói lentamente em cima de seus personagens, que desconhecem estar de mãos atadas, incapacitados de alterar aquilo que lhes é destinado. Nesse sentido, são quase personagens de tragédia grega que, quando aceitam sua maldição, a encaram de cabeça erguida, até na hora de sua execução.
Assistidos por guardiões, entre eles a Srta. Emily (Charlotte Rampling, A Duquesa), os jovens moradores de Hailsham crescem como crianças normais – brincam, aprendem, brigam, se apaixonam. Por isso mesmo, é grande o horror quando se descobre quem são essas crianças e porque elas existem. Um dos maiores prazeres de ler ou ver Não me abandone jamais deriva do trabalho de detetive que a obra pede do público, juntando as peças do quebra-cabeças.
Ao final, questionando a humanidade de seus personagens, Não me abandone jamais questiona a nossa própria natureza e o resultado da ganância do homem. É uma história sobre horrores, mas também sobre amor e afeição – tudo aquilo que pode englobar a experiência humana.

(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb.

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