domingo, 27 de março de 2011

Em Feliz que minha mãe esteja viva, a questão ganha contornos trágicos

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Cena de "Feliz que minha mãe esteja viva".

A frase que dá título a
Feliz que minha mãe esteja viva é dita uma vez no filme homônimo. É num momento tenso, perto do final do longa francês, e vem carregada de significados, exprimindo até uma contradição. Ela é dita por Thomas Jouvet (Vincent Rottiers), jovem de 20 anos que trabalha numa oficina mecânica e nunca lidou muito bem com o fato de ter sido abandonado pela mãe.
Dirigido por Claude Miller (Um segredo em família) e seu filho Nathan Miller, o enredo baseia-se num artigo do escritor francês Emmanuel Carrère, por sua vez inspirado num acontecimento real. Seria mais uma história de filho adotivo que procura a mãe biológica, não fosse o clímax surpreendente.
Ao centro, estão Thomas e seu irmão menor, Patrick (que na adolescência é interpretado por Olivier Guéritée). Quando pequenos, a mãe omissa, Julie Martino (Sophie Cattani), abriu mão de sua guarda e eles acabaram adotados pelo casal Annie e Yves (Christine Citti e Yves Verhoeven). Desde a infância, o garoto mais velho guarda uma mágoa contra a sua mãe biológica. Ao contrário do irmão, que era bebê, ele tinha idade suficiente para entender o que aconteceu e sentir o abandono da mãe.
Os Miller, pai e filho, se aproximam dessa história, que, por horas tem ares de tragédia grega, embora contida. Nenhuma cena é excessiva ou exagerada. A narrativa se abre aos poucos e alguns flashbacks – especialmente na primeira metade do filme – trazem à tona o passado dos irmãos. Feliz que minha mãe esteja viva não busca explicações, nem psicologizar os personagens ou fatos, mas investigar Thomas até sua essência, suas motivações.
Uma espécie de complexo de Édipo tardio (se é que existe uma idade limite para isso) fica evidente quando Thomas procura e reencontra Julie. É uma amizade inusitada, que se fortalece aos poucos, mas esses laços afetivos e familiares nem sempre parecem saudáveis para ambos.
Embora tenha, de certa forma, refeito sua vida, Julie não é tão diferente daquela mulher que, pouco mais de uma década atrás, desistiu dos dois filhos. Separada do marido, que é pai de seu terceiro filho, ela ainda é uma mãe que comete vários erros. A chegada de Thomas em sua vida, no entanto, não serve como reparação para fantasmas do passado – mas ele mesmo arca com uma função que não é sua: guia e consciência dela.
O filme dos Miller poderia caminhar para uma trama de reconciliações e lições de vida. Mas o desenrolar dos fatos prova que esse não é um filme hollywoodiano. A revolta de Thomas contra a mãe biológica é mais forte do que o carinho que pudesse sentir por ela depois do reencontro.
É curioso que um pai e um filho tenham dividido a direção de uma história tão forte, cujo tema central seja a unidade familiar. Esse é um tema, aliás, bastante presente na filmografia de Claude. A busca da identidade por parte dos filhos, mais cedo ou mais tarde, irá esbarrar na identidade dos pais. Em Feliz que minha mãe esteja viva, a questão ganha contornos trágicos, e seu clímax atinge tanto o âmbito realista quanto o simbólico.

(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb.

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