Indicado ao Oscar de documentário 2011, 'Restrepo' é mais um capítulo do cinema a sangue quente dos campos de batalha. Uma das primeiras sensações que desperta é a de estar no próprio front, ao lado dos jovens soldados norte-americanos destacados para o inóspito vale Korengal, no Afeganistão. Com uma câmera sempre instalada no meio deles, quase se pode sentir as balas voando perto do próprio rosto.
Soldados no Afeganistão em cena do documentário 'Restrepo'.
O mérito é dos diretores: o fotógrafo de guerra Tim Hetherington e o repórter e escritor Sebastian Junger (autor de 'The perfect storm', história real de um navio-pesqueiro que rendeu o filme 'Mar em fúria'). Eles estão sempre junto com o pelotão, que investe numa operação altamente arriscada contra militantes do Taliban que, naquele momento, dominavam aquele país.
O filme acompanha um ano da missão militar no Korengal, que foi descrito como o lugar mais perigoso do mundo - uma classificação que muda constantemente de endereço, ao sabor do deslocamento das guerras do mundo. Em todo caso, na hora e meia da projeção, não faltam motivos para acreditar no epíteto. Sem conseguir ver onde se escondem seus inimigos, os norte-americanos são, muitas vezes, alvos de fogo cruzado. Eles sabem que não têm nenhuma vantagem sobre aqueles que conhecem o terreno e contam com a solidariedade dos escassos moradores da região.
Herói
Comandante do pelotão, o capitão Dean Kearney é alguém de cuja coragem e compromisso nunca se pode duvidar - como os melhores heróis dos faroestes. Convencido de que seu antecessor no local não fez tudo o que podia, ele se engaja, com seu batalhão, para conquistar posições dos Talibans - conseguindo tomar-lhes um posto avançado no alto de uma montanha, de onde atiravam contra os yankees.
O posto, cuja conquista muda a disposição de todos - dos Talibans, inclusive - recebe o nome de Restrepo, nome da primeira vítima norte-americana, o soldado de primeira classe Juan S. Restrepo. Não será a última, como as câmeras vão mostrar, ainda que discretamente.
Por mais que se possa admirar a coragem e a disposição de cada um destes soldados - e sua individualização é um dos méritos do filme, permitindo empatia -, não é menor a sensação de que esta é uma guerra inútil e sem esperança de vitória, inclusive fora do campo de batalha. Semanalmente, o capitão promove 'shuras', isto é, reuniões com os anciãos locais, para trocar informações e ouvir queixas. Tenta convencê-los de que terão a ganhar com a cooperação com os EUA, garantindo que a construção futura de uma estrada lhes trará empregos, por exemplo.
Abismo cultural
Não é preciso entender uma palavra da língua local para perceber o quanto é improvável esta conquista de corações e mentes. É cristalina a existência de um abismo cultural e religioso e que nada mudará a disposição de enxergar os norte-americanos como invasores. E também que os Talibans não só estão entre os moradores, como são alguns de seus filhos, irmãos, sobrinhos, netos, primos.
É uma guerra perdida - e a retirada dos EUA do vale, em abril de 2010, reconheceu isto. Três anos antes, quando este filme foi realizado, isto já era patente. O que aumenta a sensação de desperdício da força, da coragem, do empenho destes homens, submetidos a uma rotina absolutamente massacrante e brutal, ao longo dos 15 meses em que são acompanhados pelo filme.
Momentos especialmente lúcidos de reflexão são captados em conversas posteriores com os sobreviventes, depois que haviam sido deslocados para a Itália, antes de voltar para casa. Se não se fala diretamente de política em nenhum momento, é difícil não pensar nela.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb.
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