terça-feira, 2 de março de 2010

Cientistas decifram a matemática do sucesso de Hollywood

Foto: Divulgação

Cena do musical 'A noviça rebelde', com Julie Andrews, um dos maiores sucessos de Hollywood até hoje;

Desde a invenção do cinema, há mais de um século, diretores e estúdios têm quebrado a cabeça para encontrar a melhor maneira de “prender o espectador” às histórias que se desenrolam na tela. Astros e estrelas de cachês milionários, efeitos especiais de encher os olhos, perseguições de tirar o fôlego – no campo estético, muita coisa já foi testada, com maior ou menor êxito. Faltava apelar à matemática.

Pois um estudo realizado na Universidade Cornell, nos Estados Unidos, aponta para uma espécie de “fórmula mágica” que ajudaria a mergulhar o espectador no filme. O segredo estaria em um padrão de variação conhecido como 1/f, que já foi detectado em diversos outros campos do conhecimento, da biologia à engenharia, passando pela música e as artes visuais. Na psicologia, o padrão 1/f seria usado para descrever as variações de tempos de reação humana e, por consequência, medir os níveis de atenção de uma pessoa que executa uma atividade qualquer.

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    Os resultados sugerem que os filmes de Hollywood se tornaram cada vez mais formados por pacotes de tomadas com durações semelhantes"

Se tal padrão aparece em tantos exemplos comprovados, por que não estaria nos filmes de Hollywood, questiona o professor James E. Cutting no artigo “Attention and the Evolution of Hollywood Film” (Atenção e a evolução dos filmes de Hollywood), publicado em fevereiro no periódico “Psychological Science”.

“Nosso objetivo como psicólogos é usar os filmes para entender melhor a mente humana. Filmes são artefatos culturais extremamente populares, e acreditamos que sua estrutura deva se conformar ao que nossos sistemas visuais e cognitivos aceitam e compreendem”, justifica Cutting em entrevista ao G1. Em outras palavras, se há um padrão que molda o ritmo da atenção humana, esse mesmo padrão também deveria – ou poderia – ditar as regras no cinema.

Para investigar a hipótese, Cutting e os pesquisadores Jordan E. DeLong e Christine E. Nothelfer se debruçaram sobre 70 anos de história do cinema – de 1935 a 2005 – e elegeram 150 filmes – dez a cada cinco anos – para tentar encontrar esse padrão. (Veja infográfico abaixo)

O foco do interesse dos pesquisadores eram as tomadas, ou seja, o conjunto de fotogramas registrados a partir de um mesmo ponto de vista da câmera. “Tomadas são as menores unidades de um filme para as quais os espectadores são convidados a dirigir sua atenção”, justificam os cientistas no artigo. “A forma das tomadas é esculpida por diretores, diretores de fotografia e montadores [com] o propósito de controlar o olhar.”

Considerando que um filme tem em média 1.100 tomadas e que cada uma delas tem duração diferente, Cutting e sua equipe queriam detectar com que frequência determinadas tomadas se repetiriam ao longo da projeção. Os detalhes da análise – disponíveis aqui para consulta - são complexos demais para os não-especialistas, mas as conclusões são fáceis de entender.

“Os resultados sugerem que os filmes de Hollywood se tornaram cada vez mais formados por pacotes de tomadas com durações semelhantes”, diz o estudo. “Sequências de ação são tipicamente um conjunto de tomadas relativamente curtas, enquanto sequências de diálogos (com tomadas alternadas seguidamente entre os personagens) tendem a ser um conjunto de tomadas maiores.” A pesquisa aponta ainda que cineastas e montadores vêm “tornando as relações entre as tomadas mais coerentes ao longo dos 70 anos”.

Ação coordenada


Entre os filmes que manifestaram esses padrões mais definidos – e, portanto, mais próximos ao 1/f buscado pelos pesquisadores – está “Rocky IV”, sucesso comercial e fracasso de crítica de 1985 escrito, dirigido e estrelado por Sylvester Stallone.

“‘Rocky IV’ tem uma longa série de tomadas paralelas de ação em que Rocky e Drago, o boxeador russo, estão se preparando para a luta. Rocky está malhando na tundra siberiana usando lenhas, machados e cavaletes em um celeiro e em cenários repletos de neve. Drago está malhando com equipamento de alta tecnologia em um ginásio especial. A câmera corta para frente e para trás durante vários minutos entre essas duas cenas, onde dois lutadores estão fazendo coisas similares em ambientes diferentes – e em que as durações das tomadas são semelhantes. Essa longa sequência cria relações fortes entre as tomadas, o que contribui para o alto grau de padronização que encontramos no filme”, esclarece Cutting ao G1.

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    Meu palpite é que os cineastas passaram a olhar mais uns para os outros. Observaram os sucessos e falhas, copiaram técnicas e as aperfeiçoaram"

A análise aponta que, especialmente a partir da década de 1980, que coincide com o boom dos filmes de ação, um número crescente de produções de Hollywood tem se adaptado, de forma “emergente” e “auto-organizável”, ao modelo, incluídos aí sucessos como “De volta para o futuro”, “Duro de Matar 2” e “Star wars - O império contra-ataca”.

“O que nossos resultados revelam é que os filmes de ação têm mais tendência a seguir um padrão 1/f, mas outros gêneros também não ficam muito atrás”, afirma Cutting, lembrando que exemplos recentes de longas de outros gêneros, como a comédia romântica “Uma linda mulher” e a aventura “Mar em fúria”, também se aproximam do índice. “De 1965 em diante, meu palpite é que os cineastas passaram a olhar mais uns para os outros em vez de receber ordens de cima. Ao fazer isso, eles observaram os sucessos e falhas de cada um, copiaram técnicas e as aperfeiçoaram com o tempo. Isso, acho eu, foi o que causou o crescimento dos índices 1/f, um crescimento estatisticamente confiável”, defende o pesquisador.

O estudo sugere ainda que, “nos próximos 50 anos”, os filmes de Hollywood tendem a adotar, ainda que instintivamente, uma estrutura que os aproxime ainda mais dos padrões 1/f.

Foto: Divulgação

Cena do clássico do cinema noir 'Crepúsculo dos deuses', de Billy Wilder.

Os imprevisíveis

Se no cinema atual é possível ver com maior nitidez essa tendência à padronização, décadas atrás esse comportamento eram bem mais indefinido.

Mesmo com poucas produções em que se espelhar – muito menos uma fórmula matemática a seguir -, filmes como “Os miseráveis” e o suspense “Os 39 degraus”, de Alfred Hitchcock, ambos de 1935, já atingiam um alto grau de padronização de tomadas. O mesmo vale para animações da Disney como “Pinóquio”, de 1940, e “Cinderella”, de 1950.

Mas o estudo de Cutting e sua equipe indica que as primeiras décadas de vida do cinema foram “muito mais variadas” nesse sentido. O período entre os anos 40 e 60, por exemplo, pode ser considerado aquele em que os filmes estiveram mais distantes do padrão investigado. Era o tempo do cinema noir, de filmes como “Curva do destino”, “Crepúsculo dos deuses” e “O segredo das joias”.

“O filme noir, para mim, é o mais interessante aí. Trata-se de um período nos EUA em que os soldados tinham acabado de voltar da guerra e estavam com problemas para se reintegrar à sociedade, e as mulheres tinham se tornado fortes e independentes”, diz Cutting. “São filmes que retratam mulheres fortes que não são muito boas em ver os aspectos negativos dos caras com quem elas saem, e nenhum desses filmes tem finais felizes. Que as suas tomadas sejam essencialmente imprevisíveis é parte do por que eles foram tão desconcertantes e poderosos”, conclui.

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