A atriz Jeanne Moreau, homenageada desta edição do Festival do Rio.
O que faz de uma atriz uma diva?
Para Jeanne Moreau, não é o fato de ser a musa da nouvelle vague, nem as seis décadas dedicadas ao cinema em mais de 50 filmes que se tornaram clássicos. E muito menos ter estrelado longas dirigidos por mestres como François Truffaut, Orson Welles, Michelangelo Antonioni, Roger Vadim, Rainer Werner Fassbinder...
Relembre alguns dos filmes estrelados por Jeanne Moreau
“Não tenho como impedir que me chamem de diva”, declarou a atriz francesa de 81 anos em entrevista ao G1, realizada na tarde da última sexta-feira (25). “Esses títulos de ‘musa’, ‘estrela’, ‘lenda viva’ não têm nenhuma influência em minha rotina. Não tenho como fazer as pessoas calarem a boca, nem tento evitar que me chamem assim. Se sou merecedora de tudo isso? Não sei”.
A atriz recebeu a reportagem do G1 em um apartamento no bairro do Flamengo, no Rio.
Homenageada desta edição do Festival do Rio, a atriz passa uma temporada no país, 36 anos após deixar sua marca no cinema brasileiro em “Joanna francesa”, de Cacá Diegues. No filme, Jeanne interpreta a dona de um prostítulo em São Paulo que vai para Alagoas atrás de um cliente que morre de amores por ela.
Dos quatro meses de filmagens em Natal, a atriz se recorda de pouca coisa. “Tenho lembranças vagas. Lembro mais dos acontecimentos fora do set”, diz ela. “Logo que cheguei, me levaram em um lugar onde conheci um drink chamado ‘batida’. Eu não tinha ideia do que era, não sabia que era alcoólico. E era tão bom, que fiquei bêbada antes mesmo de poder perceber...”, conta aos risos, entre baforadas de cigarro – dois ao longo de 40 minutos de conversa.
Aos 81 anos, a atriz mantém o hábito de fumar. Foram dois cigarros ao longo de 40 minutos de entrevista.
Além dos delírios etílicos desta temporada tropical em 1973, Jeanne também se recorda de ter conhecido três brasileiros ilustres: Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento. “Imediatamente me apaixonei pela música de vocês. Mas infelizmente era um período bastante difícil para o Brasil e seus artistas. A liberdade não podia ser praticada”.
Catherine, Jules e Jim
Quando recebeu o convite de Cacá Diegues para filmar no Brasil, Jeanne tinha 45 anos e era, sim, uma estrela. O olhar forte, que dispensava maiores esforços dramáticos em cena, já havia deslumbrado o público em produções como “O processo” (1962), de Welles, “A noite” (1961), de Antonioni, e, em especial, “Jules e Jim – uma mulher para dois” (1962), o clássico absoluto da nouvelle vague, dirigido por Truffaut.
Catherine, a razão do afeto dos personagens-título vividos pelos atores Oskar Werner e Henri Serre, visivelmente ocupa um lugar especial no coração de Jeanne ainda hoje. Basta presenciar a forma fervorosa como a atriz defende seu papel e o triângulo amoroso mais famoso da história do cinema.
“Uma mulher é capaz de amar dois homens, embora isso não seja aceito. ‘Jules et Jim’ [a atriz só se refere ao filme no título original, em francês] fala de amor e paixão”, analisa.
Estrela de filmes de Truffaut, Welles e Fassbinder, a atriz diz não ter um cineasta favorito.
“A paixão é uma nuvem. Você tem que possuir o outro, precisa do reflexo da pessoa desejada para se sentir pleno. Já o amor é generoso, não espera nada, nada cobra. Quanto mais envelhecemos, mais aprendemos a entender o amor”, completa Jeanne, para em seguida cantarolar timidamente um trecho de “Le toubillon de la vie”, a música do longa de Truffaut.
Soltar a voz rouca aliás, é outra paixão (ou seria amor?) de Jeanne. Está em seus planos lançar em 2010 um álbum em parceria com o cantor francês Etienne Daho. “Mas não serão músicas pop. Será um disco de jazz, que eu adoro. Foi por causa do jazz que comecei a cantar”.
Uma atriz para todos
Apesar de falar com carinho sobre “Jules e Jim”, a atriz não revela se é esse seu trabalho favorito. Nem mesmo se Truffaut, com quem viveu uma história de amor fora das telas, é o diretor com quem mais gostou de fazer cinema.
“O diretor de um filme é como o capitão de um barco. Cada capitão tem sua energia, sua maneira de comandar a tripulação. O mundo de Antonioni foi um, o do Welles foi outro, do Truffaut foi outro...”, garante.
A atriz também canta e planeja um disco de jazz para 2010.
“No filme de cada um, me coloquei à disposição da criatividade. Esse foi um belo caminho para descobrir o mundo, porque o cinema é como a vida. Foram descobertas maravilhosas. E terríveis também”.
Essas descobertas sobre o mundo, Jeanne Moreau, a diva não-assumida, prefere não revelar. Pelo menos por enquanto. “Ah, minha querida... Tenho uma lista inacreditável de coisas para contar. No dia que eu escrever um livro, mando para você”.
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